“Mossoró, muito obrigado por tamanha ingratidão. Eu hoje, velho e cansado, escorado no bastão, não vejo mais como eu via, não faço mais cantoria, não posso nem com a viola. Desculpe seu filho nato que está no anonimato já quase pedindo esmola”. Os versos retirados do cordel “O Meu Caso é um Descaso” refletem o sentimento do poeta e repentista Luiz Campos em relação a sua terra natal, cidade em que nasceu, viveu e morreu na última terça-feira, 13 de agosto de 2013.
Aos 73 anos, 50 deles dedicados à literatura popular, Luiz Campos nunca recebeu o devido reconhecimento por parte da cidade que ajudou a divulgar pelos quatro cantos do país. Viveu e morreu na mesma casa, na avenida Rio Branco, n° 2886, bairro Lagoa do Mato. Por muito tempo, inclusive, precisou da ajuda dos colegas, discípulos poetas, para se manter financeiramente, situação que só melhorou após receber o título de Patrimônio Vivo da Cultura Popular Potiguar, através da Lei nº 9.032, de 27.11.2007, de autoria do deputado estadual Fernando Mineiro que garntiu o pagamento de uma pensão vitalícia, no valor aproximado de R$ 800.
Considerado um verdadeiro mestre na arte da poesia popular, Luiz Campos só encontra o devido reconhecimento naqueles que, de alguma forma, conseguiram absorver os seus ensinamentos. E são essas pessoas que prestam uma sincera homenagem ao ilustre mossoroense, em depoimentos que você acompanha a seguir:
“Os poetas da minha geração aprenderam muito com Luiz Campos. Artistas como Antônio Lisboa, Chico de Assis, Antônio Francisco, entre muitos outros, devem muito a ele. Se você for à cidade de São José do Egito, no Pernambuco, celeiro de grandes poetas, vai encontrar muita gente recitando os versos de Luiz. Nunca houve uma homenagem à altura da obra de Luiz, poeta de valor inestimável. Mossoró deve esse reconhecimento e continuará devendo”, diz Crispiniano Neto, amigo de Luiz Campos há 37 anos, autor dos livros “Viajando pelos Campos de Luiz” e “Poesia com Luiz Campos”.
Diretor da Fundação José Augusto na época em que foi aprovada a Lei nº 9.032, Crispiniano Neto, que acompanhou de perto os últimos dias de vida de Luiz Campos no Hospital Regional Tarcísio Maia, revela que uma das mais justas homenagens que o poder público local poderia fazer ao poeta era renomear a avenida Rio Branco, batizando-a com o nome de Luiz.
Para Nildo da Pedra Branca, cujo nome artístico foi uma sugestão do próprio Luiz Campos, a cultura mossoroense está de luto. “Quem não escutou os versos de Luiz? Suas belas piadas, suas cantorias? Luiz é insubstituível. Hoje nós quase não estamos vendo duplas de violeiros, aquela mensagem cabocla que só ele sabia fazer, escrever errado para acertar na poesia. Acredito que nem uma comenda pelo poder público ele recebeu. Os primeiros violeiros que surgiram em Mossoró, todos eles dormiram na casa de Luiz, comeram no mesmo prato que ele. Jamais vou esquecer a mensagem que ele deixou, há nove anos, quando escrevi meu primeiro cordel e fui mostrar a ele, que disse ‘Você não pode parar’. Ele no leito do hospital, na última segunda-feira, pediu para eu nunca desistir de declamar os versos”, relata.
O artista plástico Rogério Dias, que durante um período foi designado pela Fundação José Augusto para dar assistência a Luiz Campos, lamenta a falta de reconhecimento ao poeta: “Ele era muito espirituoso, transformava tristeza em alegria. Uma pessoa muito inteligente, grande repentista, que vai fazer muita falta. Faltou reconhecimento. Muitas vezes cheguei à casa dele e ele dizia que não tinha nada para comer”, resume.
Presidente do grupo Poetas e Prosadores de Mossoró (Poema), Genildo Costa destaca que Luiz Campos cumpriu o seu papel enquanto artista popular: “Ele deixa um legado cultural para o Brasil. Tive o privilégio de gravar um dos seus poemas, ‘Me enganei com a minha noiva’, logo no meu primeiro disco. Em seguida a canção foi gravada por Amazan. Luiz tem o dom, digo tem porque um poeta não morre, se encanta, de escrever sobre o cotidiano com elegância”, pontua.
Para o cordelista Antônio Francisco, a responsabilidade de manter a poesia popular viva em Mossoró cabe agora aos discípulos de Luiz Campos. “Ele passou o bastão pra gente, agora temos essa responsabilidade. Luiz Campos foi nossa verdadeira escola, um exemplo. Se hoje estou aqui escrevendo é por causa dele”, sintetiza.
VERSOS INÉDITOS
O poeta Nildo da Pedra Branca revela que mesmo internado, Luiz Campos continuava a criar versos, textos que em breve serão publicados. “Tenho cerca de 16 versos inéditos, que Luiz declamava e me pedia para escrever, já no hospital. ‘Quando eu morrer você publique’, dizia ele. São versos como: ‘Eu sou um ser que surgiu do ventre de uma senhora, quando eu nasci ninguém sorriu e quando eu morrer ninguém chora’ e “Fiz muita gente achar graça com as minhas cantorias, escrevi muita poesia do sertão até a praça, quem tanto tomou cachaça, cerveja e Coca-Cola, hoje nem suco de acerola sequer está engolindo, a pouco a pouco está indo o poeta da viola”, declamava ele no delírio da doença. As escritas dele irão permanecer”, afirma.
“Melhor seria que se lembrassem de mim enquanto estou vivo”
Em entrevista aos jornalistas Tuca Viegas, Ana Cadengue e Túlio Ratto, publicada na revista Papangu, em 2011, Luiz Campos demonstrou toda a sua insatisfação diante do abandono a que estava submetido. Confira abaixo alguns trechos da conversa:
Papangu: Qual foi sua contribuição para a ebulição da literatura de cordel em Mossoró?
Luiz Campos: Eu acho que eu fui tudo. Porque se você ler minha coleção de cordel, o que eu fiz por Mossoró, o que eu contribuí… Lembro logo de “Meu caso é um descaso”. Ali a pessoa sabe o quanto me esforcei por Mossoró.
Papangu: Mossoró se esforçou por você?
LC: Não. Nunca recebi ajuda de nada. Eu tenho amigos em Mossoró que se esforçam por mim. Mas o poder público, não.
Papangu: Que mensagem você remeteria àqueles que pensam ou estão iniciando na envolvente e difícil arte da literatura de cordel?
LC: Escrevam, progridam. Vão em frente. Agora, o conselho que dou é que procurem outra coisa. Se for viver de cultura, morre de fome. Veja o meu caso.
Papangu: Como é que você quer ser lembrado?
LC: Depois que eu morrer não precisa mais se lembrar de mim. Melhor seria que se lembrassem de mim enquanto estou vivo. E estamos conversados.
Maricelio Almeida